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quarta-feira, 20 de março de 2013

Recuperar a dignidade da política

“O sentido da política é a liberdade” (Hanna Arendt)



Já faz tempo que a sociedade vem emitindo sinais de desencanto com a política. A credibilidade dos partidos e dos parlamentares - em qualquer nível - é muito pequena. Nas pesquisas anuais de levantamento da confiança das instituições, ocupam os últimos lugares na confiança das pessoas justamente as organizações ligadas ao tema da política- e piorando a cada ano. É visível o desinteresse com o jogo partidário, a militância e a participação em discussões políticas. 

A consequência pode ser sentida na má vontade geral com os políticos e a evidente apatia com os processos eleitorais. Mas, seguramente, a consequência de repercussão mais danosa para o sistema político é a proliferação de esquemas de compra de votos em eleições para cargos proporcionais, com trágico efeito sobre a qualidade da representação e do debate político. 

No ambiente da política prática, é voz corrente que qualquer candidato, de esquerda ou de direita, da situação ou da oposição, para ser vitorioso precisa reservar recursos financeiros consideráveis para o “esquema das listas do trabalho no Dia” - eufemismo utilizado para a pura e simples compra de votos. Os idealistas que teimam acreditar na política eleitoral como conquista de confiança e que votos devem ser obtidos por meio de bons argumentos e trabalho sério são tidos como tolos - uns ingênuos que serão engolidos pelo sistema nas primeiras horas. 

Num cenário desses prolifera-se o cinismo e a desfaçatez. A política, arte do relacionamento social, do saudável confronto de ideias e partilha do poder, torna-se mero jogo comercial de compra e venda num emergente mercado do voto que desconhece princípios como dignidade e confiança.

Diante disso o cidadão de bem precisa responder a questões chaves para o futuro da política: a democracia pode prescindir dos partidos e dos políticos? A sociedade deve abrir mão do parlamento e de eleições livres? 
No momento em que as pessoas, mais uma vez, têm a oportunidade e a responsabilidade de manifestar suas escolhas políticas por meio de um processo eleitoral, é hora da cidadania, das comunidades, das instituições, das empresas, enfim, de todos, forçarem a que os partidos e os políticos que se apresentam como candidatos revejam seu modo de operar e abandonem o jogo sujo do aliciamento eleitoral por meio do derrame de dinheiro “no Dia”. 

Alguns argumentarão, genericamente, que a solução dessa situação virá da Reforma Política. Ledo engano. Essa é uma tarefa da sociedade. Nada se resolve apenas por força de lei. Mais que uma decisão do Congresso Nacional (que, aliás, dá sinais cada vez mais claros que não está disposto a mudar nada, mesmo com todo esforço que o PT vem fazendo em Brasília), a reforma da política precisa ser uma decisão da cidadania, uma exigência das pessoas de bem. 

Trata-se de recuperar a capacidade da política de se fazer relevante para a sociedade, e do restabelecimento de meios de promoção da liberdade no jogo democrático. Num mundo em rápida transformação, com as novas tecnologias, a crise financeira, o desafio da sustentabilidade e a revolução dos costumes mudando profundamente o modo de vida das pessoas, mais do que nunca a política precisa ser grande, vigorosa, democrática e digna. 

Falando sobre Hanna Arendt, num texto que deve inspirar a todos, Kurt Sontheimer escreveu: “...jamais entregou-se ao pessimismo, muito menos ao cinismo, senão que sempre honrou a crença na liberdade e na espontaneidade do homem [...] Livre agir é agir em público, e público é o espaço original do político. Nele o homem deve mostrar-se em sua liberdade e espontaneidade, e se afirmar no trato político com outros. A adaptação oportunística, a fuga ao privado, a retirada da responsabilidade política, a cômoda apatia política; todos esses modos de conduta, tão correntes hoje em dia, são nocivos a uma verdadeira política civilizada.” (prefácio de “Política”, editora Bertrand Brasil, 1992)

Irailton Lima
Sociólogo, foi candidato a vereador pelo PT em 2012

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