Por Alcidark Costa
No inicio de 1848, o
eminente pensador político francês Alexis de Tocqueville tomou a tribuna da
Câmara dos Deputados para expressar sentimentos que muitos europeus
partilhavam: “Nós dormimos sobre um vulcão... Os senhores não percebem que a
terra treme mais uma vez? Sopra o vento das revoluções, a tempestade está no
horizonte”!
Esse breve discurso
anunciava uma onda revolucionária na Europa que ficou conhecida como a
“Primavera dos Povos”, que ecoou, também no Brasil, com a insurreição
pernambucana, mas como a primavera, não durou. Precisamos, agora, estabelecer
um paralelo reflexivo desse processo com a ascensão do PT ao governo, bem como
a onda de manifestos que tem tomado ruas e praças por todo Brasil.
Em primeiro lugar,
destacaria que, assim como a Europa do período citado errou em não mudar pela
revolução, o Partido dos Trabalhadores, em que pese todos os acertos
proporcionados nos últimos dez anos conduzidos pelo seu governo – reduzindo
drasticamente a pobreza, ampliando as políticas de inclusão social,
notadamente, inserindo milhares de brasileiros ao ensino superior, dentre
tantas outras, errou, em parte geral, por não compreender que esse sistema
político, melhor dizendo, que essa cultura política que se encontra
“petrificada”, sobretudo, no Congresso Nacional, é profundamente e cada vez
mais inadequada, num período de rápidas mudanças sociais para as condições
políticas do Brasil.
Portanto, ressalto que
o PT errou em não assumir o papel histórico de transformar a “política
brasileira”. Ou seja, errou pelo pragmatismo da elegibilidade e
governabilidade, através de uma coalisão de forças, aliando-se, inclusive, a
partidos conservadores, que oportunamente, tencionaram ideologicamente o
governo mais à direita, em detrimento a radicalização da democracia através de
uma profunda reforma política, sem aquele pragmatismo, sem acordões, mas que
desinfetasse toda podridão encrustada nos “acentos” do parlamento.
Em segundo lugar, quero
destacar o caráter reativo das massas da onda revolucionária de 1848 analogamente
aos protestos de então não país. O grande corpo de radicais daquele período,
baixa classe média, artesãos descontentes, pequenos proprietários etc, e mesmo
agricultores, cujos porta-vozes e líderes eram intelectuais, especialmente
jovens e marginais, formavam uma força revolucionária significativa, mas
dificilmente uma alternativa política. Havia alí uma reação às condições
sociais e realidade política, não obstante, essas forças careciam de um
programa efetivo que balizasse e desse um norte ao horizonte daquela revolução.
Os protestos que
tomaram de assalto ruas e praças do país são tão legítimos quanto a onda
revolucionária citada, são tão legítimos, quanto ao que os teóricos
contratualistas propuseram: “se a política se degenera, ou seja, se os governos
(poder executivo, legislativo e judiciário) buscam um fim em si mesmo,
desviando-se de suas finalidades, que é a garantia do direito a liberdade, do
direito a vida etc, do bem comum ao povo, este, por sua vez, deve insurgir-se
contra aqueles, pois somente o povo é verdadeiro soberano”. São tão legítimos
porque traduzem em 20 centavos a inércia de uma realidade política que
negligencia as necessidades mais básicas comuns ao povo. São tão legítimas
porque o povo percebeu que o parlamento não o representa de fato, mas sim a uma
“casta política degenerada”.
Não obstante, é mister
ressaltar alguns equívocos de caráter reativo que se difundem em meio a
legitimidade dos protestos, a saber, o antipartidarismo. As mudanças
necessárias ao país não podem corresponder ao fim dos governos, tampouco à
dissolução dos partidos políticos, mas sim pela observância de novos rumos que
os governos devem tomar, bem como novas formas de organização partidária,
consoantes a realidade político-social do país. Não esqueçamos a grande
contribuição de Gramsci à sociedade contemporânea ao traduzir o papel do
partido político no Estado democrático de direito enquanto, assim como os
movimentos sociais, sintetizador da vontade coletiva, bem como instrumento de
organização e profusão de programas efetivos às transformações necessárias.
Assim também, como
ensinou, mais recentemente, o pensador francês Claude Lefort, é “graças a
representação que o Estado não se fecha entre si mesmo, que o Estado não pode
tornar-se o centro de todo o poder, mas compõe uma arena política onde se
exprimem os conflitos da sociedade em seu conjunto e mantém o princípio da
diferença que caracteriza a sociedade democrática”.
A revolução
democrática, a meu ver, engendrada nessa onda de protestos, deve, por sua vez,
enquanto potência transformadora, tentar superar a crise da democracia
representativa sob o espectro do princípio do respeito e convivência com a
diferença.
Se a revolução
democrática começou? Provavelmente o povo deu o primeiro passo ocupando as ruas
e praças das cidades, mas sua efetivação só será concreta se esse movimento for
catalisado para o tencionamento do parlamento a uma profunda reforma política
que verdadeiramente radicalize a democracia, sem a qual, assim como a primavera
que logo passa, esse movimento passará.
Professor de História
da Universidade Federal do Acre - UFAC
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