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quarta-feira, 26 de junho de 2013

O Prelúdio da Revolução

Por Alcidark Costa

No inicio de 1848, o eminente pensador político francês Alexis de Tocqueville tomou a tribuna da Câmara dos Deputados para expressar sentimentos que muitos europeus partilhavam: “Nós dormimos sobre um vulcão... Os senhores não percebem que a terra treme mais uma vez? Sopra o vento das revoluções, a tempestade está no horizonte”!

Esse breve discurso anunciava uma onda revolucionária na Europa que ficou conhecida como a “Primavera dos Povos”, que ecoou, também no Brasil, com a insurreição pernambucana, mas como a primavera, não durou. Precisamos, agora, estabelecer um paralelo reflexivo desse processo com a ascensão do PT ao governo, bem como a onda de manifestos que tem tomado ruas e praças por todo Brasil.

Em primeiro lugar, destacaria que, assim como a Europa do período citado errou em não mudar pela revolução, o Partido dos Trabalhadores, em que pese todos os acertos proporcionados nos últimos dez anos conduzidos pelo seu governo – reduzindo drasticamente a pobreza, ampliando as políticas de inclusão social, notadamente, inserindo milhares de brasileiros ao ensino superior, dentre tantas outras, errou, em parte geral, por não compreender que esse sistema político, melhor dizendo, que essa cultura política que se encontra “petrificada”, sobretudo, no Congresso Nacional, é profundamente e cada vez mais inadequada, num período de rápidas mudanças sociais para as condições políticas do Brasil.

Portanto, ressalto que o PT errou em não assumir o papel histórico de transformar a “política brasileira”. Ou seja, errou pelo pragmatismo da elegibilidade e governabilidade, através de uma coalisão de forças, aliando-se, inclusive, a partidos conservadores, que oportunamente, tencionaram ideologicamente o governo mais à direita, em detrimento a radicalização da democracia através de uma profunda reforma política, sem aquele pragmatismo, sem acordões, mas que desinfetasse toda podridão encrustada nos “acentos” do parlamento.

Em segundo lugar, quero destacar o caráter reativo das massas da onda revolucionária de 1848 analogamente aos protestos de então não país. O grande corpo de radicais daquele período, baixa classe média, artesãos descontentes, pequenos proprietários etc, e mesmo agricultores, cujos porta-vozes e líderes eram intelectuais, especialmente jovens e marginais, formavam uma força revolucionária significativa, mas dificilmente uma alternativa política. Havia alí uma reação às condições sociais e realidade política, não obstante, essas forças careciam de um programa efetivo que balizasse e desse um norte ao horizonte daquela revolução.

Os protestos que tomaram de assalto ruas e praças do país são tão legítimos quanto a onda revolucionária citada, são tão legítimos, quanto ao que os teóricos contratualistas propuseram: “se a política se degenera, ou seja, se os governos (poder executivo, legislativo e judiciário) buscam um fim em si mesmo, desviando-se de suas finalidades, que é a garantia do direito a liberdade, do direito a vida etc, do bem comum ao povo, este, por sua vez, deve insurgir-se contra aqueles, pois somente o povo é verdadeiro soberano”. São tão legítimos porque traduzem em 20 centavos a inércia de uma realidade política que negligencia as necessidades mais básicas comuns ao povo. São tão legítimas porque o povo percebeu que o parlamento não o representa de fato, mas sim a uma “casta política degenerada”.

Não obstante, é mister ressaltar alguns equívocos de caráter reativo que se difundem em meio a legitimidade dos protestos, a saber, o antipartidarismo. As mudanças necessárias ao país não podem corresponder ao fim dos governos, tampouco à dissolução dos partidos políticos, mas sim pela observância de novos rumos que os governos devem tomar, bem como novas formas de organização partidária, consoantes a realidade político-social do país. Não esqueçamos a grande contribuição de Gramsci à sociedade contemporânea ao traduzir o papel do partido político no Estado democrático de direito enquanto, assim como os movimentos sociais, sintetizador da vontade coletiva, bem como instrumento de organização e profusão de programas efetivos às transformações necessárias.

Assim também, como ensinou, mais recentemente, o pensador francês Claude Lefort, é “graças a representação que o Estado não se fecha entre si mesmo, que o Estado não pode tornar-se o centro de todo o poder, mas compõe uma arena política onde se exprimem os conflitos da sociedade em seu conjunto e mantém o princípio da diferença que caracteriza a sociedade democrática”.
A revolução democrática, a meu ver, engendrada nessa onda de protestos, deve, por sua vez, enquanto potência transformadora, tentar superar a crise da democracia representativa sob o espectro do princípio do respeito e convivência com a diferença.

Se a revolução democrática começou? Provavelmente o povo deu o primeiro passo ocupando as ruas e praças das cidades, mas sua efetivação só será concreta se esse movimento for catalisado para o tencionamento do parlamento a uma profunda reforma política que verdadeiramente radicalize a democracia, sem a qual, assim como a primavera que logo passa, esse movimento passará. 

Professor de História da Universidade Federal do Acre - UFAC

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