Por - Michael Löwy*
O famoso
marxista italiano Antonio Gramsci dizia que o revolucionário socialista deve
combinar o pessimismo da razão com o otimismo da vontade. Desse modo, dividirei
em duas partes este artigo que discute as alternativas de desenvolvimento para
superar o modelo produtivista-consumista. Em primeiro lugar, tratarei do
pessimismo da razão: as coisas vão mal. E, em seguida, do otimismo da vontade:
quem sabe, elas podem mudar, e um caminho para isso é o do ecossocialismo.
A primeira
parte discorre, portanto, sobre o pessimismo da razão. Simplesmente somos
obrigados a constatar que o atual modelo de desenvolvimento do capitalismo
industrial moderno, particularmente em sua variante neoliberal, baseada no
produtivismo e no consumismo, está conduzindo a humanidade – e não o planeta –
a uma catástrofe ecológica ou ambiental sem precedentes em sua história.
Por que digo
“a humanidade” e não “o planeta”? Porque o planeta, qualquer que seja o estrago
que façamos, vai continuar tranquilo, girando. Ele não será atingido. Quem será
afetada pelo desastre ecológico será a vida no planeta, serão as espécies
vivas, dentre elas a nossa, o Homo sapiens. Esse é o âmago do problema, que
serve para evitar discussões um pouco abstratas, como “temos que salvar o
planeta”.
Porém, não é
o planeta que está em perigo, somos nós e as outras espécies vivas. Isso porque
a lógica atual do sistema, de expansão e crescimento ao infinito, e o atual
modelo de desenvolvimento, que segue a lógica do produtivismo e do consumismo,
conduzem, inexoravelmente – e independentemente da boa ou da má vontade de
empresários ou governos – à degradação do meio ambiente e à destruição da
natureza.
Isso se
manifesta em vários aspectos, como no desaparecimento de algumas espécies. Já
se calcula que, com o business as usual, como diz a expressão americana, daqui
a algumas dezenas de anos não vão mais existir os peixes. São espécies que
existem há milhões de anos e que a humanidade consome há dezenas de milhares de
anos. E já estão desaparecendo.
Outro
aspecto importante é o envenenamento, por meio da poluição, do ar das cidades,
da terra, do solo, dos rios, do mar, ou seja, a degradação dos equilíbrios
ecológicos. Uma série de aspectos que vão se acumulando, e, com todos esses
elementos, o sinal vai passando do amarelo para o vermelho. No entanto, o mais
grave de todos esses aspectos da destruição do meio ambiente e dos
desequilíbrios ecológicos, o mais ameaçador e inquietante, é a mudança
climática ou o aquecimento global.
Não farei
aqui uma análise científica disso, suponho que já seja de conhecimento geral. A
emissão de gases a partir da queima dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo,
gás) e sua acumulação na atmosfera produzem o efeito estufa e o aquecimento
global. Esse processo, a partir de certo nível de aquecimento, por volta de
dois ou três graus a mais, vai conhecer uma espécie de aceleração e crescimento
descontrolado que pode chegar a quatro, cinco, seis ou mais graus. E o que vai
acontecer com isso?
No livro Six
Degrees: Our Future on Hotter Planet (Seis Graus: nosso futuro em um planeta
mais quente), o especialista inglês Mark Lynas descreve como será o planeta
quando a temperatura subir seis graus. Segundo ele, se compararmos o inferno de
Dante com o planeta com seis graus a mais, o inferno de Dante vai parecer um
passeio de fim de semana. O autor analisa as consequências disso, como o
desaparecimento da água potável e a desertificação, dois fenômenos que estão
interligados. Alguns pesquisadores já calcularam que o deserto do Saara pode
atravessar o Mediterrâneo e chegar à Europa, às portas de Roma, dentro de uma
longa lista de outros desastres.
Outro
aspecto ainda mais inquietante é a subida do nível do mar, que resulta do
derretimento do gelo dos Polos Norte e Sul, em particular da Groenlândia, um
gelo que não está sobre a água, mas sim em cima da terra. Já se calculou que,
se o nível do mar subir poucos metros — um, dois ou três —, várias das
principais cidades da civilização humana, como Londres, Amsterdã, Hong Kong,
Rio de Janeiro, ficarão debaixo d’água. Também boa parte do que é a orla
marítima dos países desaparecerá. E o que acontece se derreter todo o gelo que
está no Polo Norte e no Polo Sul? O mar pode subir até setenta metros, para se
ter uma ideia da magnitude da ameaça.
Obviamente,
isso não vai acontecer na próxima semana, mas esse processo de aquecimento
global e de derretimento dos gelos está se acelerando. Há alguns anos, os
especialistas diziam que esses processos estavam previstos para 2100, ou seja,
para o fim do século XXI. Portanto, atingiria nossos bisnetos que ainda não
nasceram, e precisamos pensar neles. Só que normalmente as pessoas não se
preocupam com o que vai acontecer com os bisnetos que ainda não nasceram, não é
uma prioridade. No entanto, os trabalhos mais avançados dos cientistas, os mais
recentes, apontam para processos irreversíveis do aumento de temperatura, com
todas as suas consequências, já nas próximas décadas, antes de 2100. Ninguém
pode dizer se será daqui a vinte, trinta, quarenta ou cinquenta anos, mas a
coisa está muito mais próxima.
Um exemplo
disso são os escritos do cientista americano James Hansen, o principal
climatólogo dos Estados Unidos, que trabalha para a NASA, e que não é um homem
de esquerda, não tem nada a ver com o marxismo. Hansen é um cientista que há alguns
anos vem tocando o sinal de alarme, mas durante o governo do presidente George
W. Bush tentaram proibi-lo de falar. Mandaram para ele um recado dizendo que
ele era um funcionário do governo americano e que o que ele estava dizendo
sobre o perigo do aquecimento global não era a linha do governo, o qual
considera tudo isso uma bobagem. Pediam, por favor, que ele calasse a boca, e,
mais que isso, afirmavam que estava proibido de falar.
Um
acontecimento sem precedente desde Galileu, quando a Inquisição ordenou a ele
que não deveria dizer que a Terra se mexe, que estava proibido pela Igreja
Católica. Desde essa época, não houve caso tão absurdo de um governo proibir um
cientista de se manifestar. Obviamente ele não obedeceu, continua a protestar e
a escrever sobre isso e é respeitado mundialmente como um grande climatólogo.
Ele afirma
que o processo está se acelerando e que é uma questão de décadas. E os
especialistas do gelo — os glaciólogos, que vão para o Polo Norte e para o Polo
Sul e medem e calculam esses fenômenos — dizem que não estão entendendo nada do
que está acontecendo. Está tudo indo muito mais depressa do que eles pensavam.
Em 2010, fizeram um cálculo de como o gelo estava derretendo e, em 2011, viram
que o cálculo estava errado, que o modelo utilizado não estava funcionando, que
estava indo muito mais rápido. Portanto, são questões científicas e políticas
que têm a ver com o futuro da humanidade.
De quem é a
culpa dessa ameaça sem precedentes na história da humanidade? Os geólogos
calculam que há 60 milhões de anos houve um processo de aquecimento global que
matou quase tudo o que existia no planeta. Depois levou algumas dezenas de
milhões de anos para a vida voltar ao planeta. Mas, desde que existe a
humanidade, nunca existiu nada parecido, é algo sem precedentes. Os cientistas
dizem que é culpa do ser humano, que o aquecimento global é resultado da ação
humana. Os geólogos dizem que estamos entrando em uma nova era geológica
chamada Antropoceno. Isto é, uma era geológica em que a situação do planeta, o
clima, depende da ação humana e está sendo transformada por ela.
Essa
explicação é cientificamente correta, mas eu diria que é um pouco limitada
politicamente. Isso porque a humanidade já vive no planeta há algumas dezenas
de milhares de anos, desde que apareceu o Homo sapiens, e o problema do
aquecimento global, essa acumulação de gases na atmosfera, vem da Revolução
Industrial. Começou em meados do século XVIII, quando esses gases foram se
acumulando, e se intensificou enormemente nas últimas décadas, as décadas da
globalização capitalista neoliberal. Portanto, o culpado dessa história não é o
ser humano em geral, mas um modelo específico de desenvolvimento econômico,
industrial, moderno, capitalista, globalizado, neoliberal: esse é o responsável
pela atual crise ecológica e pela ameaça que pesa sobre a humanidade.
Quais são as
soluções que propõem os representantes da ordem estabelecida? Há uma proposta
que é a seguinte: as energias fósseis são as responsáveis pelo problema, por
isso, vamos substituí-las por formas de energia limpas, que não produzem gases,
e são seguras, como a energia nuclear. Está aí uma solução técnica e fácil para
o problema: construir usinas nucleares. Isso foi feito em grande escala nas
últimas décadas. Em 1986, houve um incidente desagradável, em Chernobyl, na
União Soviética. Cientistas calculam que as vítimas de Chernobyl que foram
morrendo no curso dos anos, resultado das irradiações, chegam a 800 mil mortos
— mais do que todos os mortos de Hiroshima e Nagasaki, por decorrência da bomba
atômica. O argumento dos responsáveis pela energia nuclear era de que isso
aconteceu na União Soviética, um país totalitário, burocrático, com tecnologia
e gestão atrasadas; no ocidente, com empresas privadas, isso não aconteceria.
Esse discurso foi repetido muitas vezes até que ocorreu o acidente de
Fukushima, no Japão, em 2011. A empresa responsável pela usina, Tokyo Electric
Power Company (TEPCO), é a maior empresa privada de eletricidade do mundo. É a
mais esplêndida manifestação do capitalismo privado no terreno da energia
nuclear. Desse modo, fica claro que essa não é uma alternativa aos combustíveis
fósseis, temos que procurar outras.
Há alguns
anos, na época Bush, vazou para a imprensa um documento secreto do Pentágono
sobre a questão do aquecimento global. O governo dizia que esse problema não
existia, mas os cientistas do Pentágono sabiam que sim. Apresentaram um
documento prevendo o que iriam fazer se o aquecimento global escapasse de
qualquer controle e chegasse a seis graus, e a vida humana se tornasse
impossível no planeta. Era uma possibilidade considerada pelos cientistas do
Pentágono. A única proposta que conseguiram elaborar foi a de mandar um foguete
para o planeta Marte. Eles inclusive detalham quem estaria nesse foguete: o presidente
dos Estados Unidos, o Estado Maior do Exército, cientistas etc. Como não
estamos convidados para essa viagem, não nos interessa a proposta. Esse é
apenas um exemplo do tipo de solução considerada.
Obviamente,
há tentativas mais sérias de solução, como a ideia de que precisamos
desenvolver energias alternativas: hidrelétrica, eólica e solar. Com exceção da
hidrelétrica, que já tem um desenvolvimento importante, em países como o
Brasil, as outras são pouco desenvolvidas. E por uma razão bem simples: são
menos rentáveis do que o petróleo e o carvão. Por isso, não interessa às
empresas e aos Estados, com algumas exceções, investir maciçamente nessas
energias. Em alguns países, chega a 10% o índice de energia produzida por
fontes alternativas, mas o resto continua com o carvão e o petróleo. Seria
necessária uma mudança em grande escala, acabar com os combustíveis fósseis e
desenvolver energias alternativas. Por enquanto, nenhum governo está fazendo
isso, embora os cientistas já tenham dado o recado: se não mudarmos
drasticamente o padrão de matriz energética, nos próximos dez ou vinte anos a
situação fugirá do controle. É uma questão de rentabilidade — que é o que conta
— e de competitividade.
Outra
tentativa mais interessante por parte dos governos foram os Acordos de Kyoto.
Eles têm alguns aspectos positivos no sentido de serem acordos em que os
governos se empenham em reduzir as emissões de gás. Só que isso não funcionou,
por várias razões, dentre as quais o método utilizado, que é o mercado dos direitos
de emissão, que não poderia conduzir a uma efetiva redução. Mesmo que o
objetivo de Kyoto tenha sido muito pequeno — reduzir em 8% as emissões,
enquanto os cientistas estão dizendo que precisamos reduzir em 40% nos próximos
anos —, ele não foi alcançado. Além disso, os principais poluidores, os Estados
Unidos, não assinaram Kyoto. E o país que está aparecendo como o segundo
colocado nas emissões, a China, tampouco assinou.
Houve uma
conferência em Copenhague, em 2009, para discutir esses problemas e o que fazer
com as ameaças do aquecimento global. Os Estados Unidos utilizaram o argumento
de que, embora sejam os maiores responsáveis pelas emissões de gases poluentes,
a China está emitindo tanto quanto eles, e, se esse país não fizer nada, não
serão eles que tomarão a iniciativa. A isso o governo chinês respondeu, com
certa razão, que os Estados Unidos vêm emitindo gases há um século, têm uma
responsabilidade histórica. Só agora que os chineses iniciaram, portanto, os
Estados Unidos é que deveriam começar a reduzir suas emissões. Só depois disso,
a China poderia discutir esse assunto. Ou seja, cada um jogou a peteca para o
outro. E os governos europeus disseram que se os Estados Unidos e a China, que
são os principais emissores, não fazem nada, não serão eles, os europeus, que
irão resolver o problema. Dessa forma, todos os governos chegaram ao acordo de
que era urgente não fazer nada, cada um com seus argumentos. O resultado da
conferência de Copenhague foi praticamente zero. Isso ilustra, entre outras coisas,
o poder da oligarquia fóssil, ou seja, os interesses do carvão, do petróleo, da
indústria automobilística, enfim, de todo esse complexo gigantesco de que
dependem as energias fósseis, que não tem a mínima vontade de mudar a matriz
energética.
Outra coisa
que se deve dizer é que mesmo se as energias fósseis fossem substituídas pelas
energias renováveis, estas também têm seus probleminhas, como os impactos
socioambientais da energia hidrelétrica. Portanto, é uma ilusão achar que é só
uma questão técnica, de mudar a matriz energética, embora isso seja
fundamental. De qualquer maneira, teremos de reduzir significativamente o
consumo de energia e, consequentemente, a produção econômica e o consumo. O
desenvolvimento alternativo ao produtivismo e ao consumismo implica uma redução
da produção e do consumo, a começar pelos países capitalistas avançados,
evidentemente, que são os principais responsáveis e os maiores produtivistas e
consumistas.
Até aqui vai
o pessimismo da razão. Agora, vamos começar com o otimismo da vontade, senão
fica muito triste essa história. Vou iniciar com Copenhague, onde houve a
conferência oficial, que não decidiu nada, mas que também foi palco de um
protesto. Saíram às ruas 100 mil pessoas da Dinamarca e da Europa, protestando
contra essa inércia das potências capitalistas, levando como palavra de ordem
principal: “change the system, not the climate”, ou seja, “mudemos o sistema,
não o clima” — o sistema capitalista, evidentemente. Essa é a esperança, a de
uma luta por transformação sistêmica, por alternativas radicais. Radical vem do
latim radix, que significa raiz. Se a raiz do problema é o sistema capitalista
industrial, moderno, globalizado, neoliberal, então devemos atacar a raiz do
problema. Essas seriam, portanto, as alternativas radicais pós-capitalistas.
Aqui vem a proposta do ecossocialismo.
Por que
ecossocialismo? Em que se distingue do socialismo tradicional? O ecossocialismo
é uma crítica, por um lado, do socialismo não ecológico, que foi a experiência
fracassada soviética e de outros países, que do ponto de vista ecológico não
representou nenhuma alternativa ao modelo ocidental. Pelo contrário, tratou de
copiar o modelo produtivo do capitalismo ocidental. Ecossocialismo é uma
crítica desse socialismo — ou pseudossocialismo — não ecológico, soviético,
etc.
Por outro
lado, é uma crítica à ecologia não socialista, que acha que podemos ter um
modelo alternativo de desenvolvimento nos quadros do capitalismo, do mercado
capitalista. Do ponto de vista ecossocialista, achamos que isso é uma ilusão,
pela própria dinâmica de expansão necessária ao capitalismo, de crescimento,
que leva necessariamente a uma colisão com a natureza e com os equilíbrios
ecológicos. O capitalismo sem crescimento, sem competição feroz entre empresas
e países pelos mercados, é impossível e inimaginável. Temos no ecossocialismo,
desse modo, uma crítica ao ecologismo de mercado.
É uma
crítica também, ou autocrítica, a certas concepções tradicionais na esquerda em
geral, e no marxismo em particular, sobre o que é uma transformação socialista.
Há uma visão clássica de que é preciso mudar as relações de produção —
propriedade coletiva, em vez da privada — para permitir que as forças
produtivas se desenvolvam, já que as relações de produção são um obstáculo ao
livre desenvolvimento das forças produtivas. Mas não passa por aí. Primeiro,
porque não é possível o desenvolvimento ilimitado das forças produtivas. E, em
segundo lugar, porque pensar em uma transformação e em um modelo alternativo de
desenvolvimento implica questionar não só as formas de propriedade e as
relações de produção, mas as próprias forças produtivas, o próprio aparelho
produtivo.
Esse
aparelho produtivo, criado pelo capitalismo ocidental, industrial, moderno, é
incompatível com a preservação do meio ambiente, por sua matriz energética e
por sua forma de funcionamento, que inclui o agronegócio, o uso de pesticidas,
entre toda uma série de características que mostram que esse aparelho produtivo
não serve. Temos que pensar em uma profunda transformação, não só das relações
de produção, mas do aparelho produtivo.
Mas não é só
isso: precisamos pensar em uma transformação do padrão de consumo. É
insustentável o padrão de consumo do capitalismo moderno. Isso significa que
seria necessária uma redução do consumo, mas para quem? Nem todo mundo tem que
apertar o cinto, não é bem assim. Primeiro, é uma questão de desigualdade social.
O consumo é dez ou cem vezes maior nos países avançados. Eles são os primeiros
que têm que começar essa mudança. Segundo, há uma diferença enorme entre o
consumo ostentatório das elites dominantes e o consumo das classes populares:
uns comem feijão e milho e outros compram iates enormes, helicópteros, etc. Não
é a mesma coisa. Não é o que come milho que vai ter que comer menos milho. É o
que compra palácios de luxo que vai ter que reduzir drasticamente seu consumo
ostentatório.
Além disso,
existe no capitalismo algo que se chama obsolescência planificada dos objetos
de consumo. Dentro do capitalismo, os objetos de consumo já têm, em sua própria
concepção, sua obsolescência prevista para o mais rápido possível. Todo mundo
sabe que a geladeira de quarenta anos atrás durava quarenta anos, e as
geladeiras de agora duram três anos. Isso é necessário: para o capital vender
mais e mais geladeiras, produzir mais e mais, precisa ter uma duração muito
menor. É parte do padrão produtivista e consumista, e também precisa ser
modificado.
Precisamos,
portanto, de mudanças nas formas de propriedade, no aparelho produtivo, no
padrão de consumo, no padrão de transporte. O atual modelo, baseado no carro
individual para as pessoas e no caminhão para as mercadorias, é insustentável,
até porque depende do petróleo. Por isso, precisamos pensar no desenvolvimento
do transporte coletivo, no trem em vez do caminhão, entre outras medidas. Tudo
isso vai configurando uma mudança bastante radical no padrão de civilização. Na
verdade, a proposta ecossocialista, de um novo modelo de desenvolvimento mais
além do produtivismo e do consumismo, coloca em questão o paradigma da
civilização capitalista ocidental, industrial, moderna. É uma proposta bastante
profunda. Precisamos pensar em um novo padrão de civilização, baseado em outras
formas de produzir, consumir e viver. Essa é a discussão que está colocada.
É uma
proposta revolucionária, mas talvez a revolução tenha que ser redefinida. Gosto
muito de citar uma frase de Walter Benjamin. Em suas Teses sobre o conceito de
história, ele diz: “Nós, marxistas, temos o hábito de dizer que as revoluções
são a locomotiva da história. Mas talvez a coisa seja um pouco diferente.
Talvez as revoluções sejam a humanidade puxando os freios de emergência para parar
o trem.” É uma imagem bastante atual. Hoje em dia, somos todos passageiros de
um trem, que é a civilização capitalista, industrial, ocidental, moderna. Esse
trem está indo, com uma rapidez crescente, em direção ao abismo. Lá na frente
há um buraco que se chama aquecimento global ou crise ecológica. Não se sabe a
quantos anos de distância se encontra esse abismo, mas ele está lá. Portanto, a
questão é parar esse trem suicida e mudar de direção. É o desafio colocado pela
proposta ecossocialista.
Agora, muitos
dirão, com razão, que é uma proposta simpática e até interessante, mas e daí,
como é que vamos daqui até lá? Não basta ter uma bela utopia. Acho que temos
que partir da ideia de que o ecossocialismo é algo para um futuro imaginário,
mas que devemos começar aqui e agora. Começando, modestamente, com
movimentações, lutas, em função da busca de alternativas. Essas alternativas já
estão se construindo em movimentos, experiências e lutas atuais.
Um exemplo
de uma luta desse gênero, de um brasileiro que é para mim o precursor do
ecossocialismo: Chico Mendes, um socialista confesso e convicto, e ecológico.
Chico Mendes organizou a Aliança dos Povos da Floresta para defender a floresta
como patrimônio comum dos povos indígenas e camponeses, patrimônio do povo brasileiro
em seu conjunto, e também da humanidade. A defesa da floresta é uma causa do
conjunto da humanidade porque, como se sabe, as florestas — em particular a
Amazônia — são os chamados “poços de carbono” que absorvem os gases que estão
na atmosfera. Se não houvesse essas florestas tropicais, o processo de
aquecimento global já teria escapado de qualquer controle e já estaríamos no
meio da catástrofe. O que ainda breca um pouco o processo são as florestas
tropicais. Na Aliança dos Povos da Floresta, Chico Mendes fez um primeiro
movimento em direção ao ecossocialismo, com a ideia de propriedade comum, bem
comum dos povos, bem comum da humanidade.
No Fórum
Social Mundial de Belém, em 2009, por exemplo, houve uma convergência
interessante entre movimentos indígenas, camponeses, ecologistas, de mulheres,
entre outros, em torno de uma exigência concreta em relação à Amazônia, ao
Brasil, ao Peru e a todos os países amazônicos: desmatamento zero já. É uma
exigência imediata, que tem a ver com a perspectiva de salvar a floresta
tropical.
Outro
exemplo interessante na América Latina é o que se deu recentemente no Equador,
onde há um governo de esquerda, o do presidente Rafael Correa. Nesse país, há
uma região com um grande território de floresta tropical, onde vivem
comunidades indígenas, chamada Parque Yasuní. Para desgraça dos indígenas,
descobriram petróleo nessas terras. As multinacionais foram correndo para lá,
pedindo autorização para cortar a mata e extrair petróleo. Os indígenas
resistiram, protestaram, o protesto foi apoiado pela sociedade civil, pela
opinião pública, pelos ecologistas, pela esquerda. O governo, que é
progressista, aceitou a proposta dos indígenas e fez a proposição de deixar
esse petróleo debaixo da terra, mas pedir aos governos dos países ricos, do
Norte, que os indenizem em pelo menos metade do valor desse petróleo. Porque os
países do Norte, da Europa, estão dizendo que querem reduzir a emissão de
gases, e a melhor maneira de reduzir a emissão de gases é não queimar o
petróleo e deixá-lo debaixo da terra.
Essa é a
proposta para o Parque Yasuní. Há atualmente uma negociação entre o governo do
Equador e outros governos, e pelo menos um deles — o da Noruega — prometeu dar
o dinheiro. Já é uma vitória e um exemplo para outros países, como a Indonésia,
onde já está havendo mobilizações nesse sentido.
Mencionei a
manifestação de Copenhague, que também é um exemplo de esperança, de otimismo
da vontade, com 100 mil pessoas nas ruas exigindo a mudança do sistema. E essa
mobilização teve continuidade. De todos os governos que estavam em Copenhague,
só um se solidarizou com o protesto, o governo da Bolívia. Evo Morales saiu da
conferência e foi falar com os manifestantes, dizendo que eles tinham razão. E
ele convocou, depois, uma conferência na Bolívia, em Cochabamba, chamada
Conferência dos Povos contra o Aquecimento Global e em Defesa da Mãe Terra, que
foi um evento importante, com a participação de 30 mil delegados de movimentos
sociais, indígenas, camponeses, representantes da ecologia urbana, de sindicatos,
de organizações de mulheres, etc. A partir daí se lançou uma campanha
internacional. Esse tipo de mobilização e luta é a esperança de que a coisa
possa mudar. Em cima dessas experiências é que podemos investir nosso otimismo
da vontade.
* Michael
Löwy é sociólogo, filósofo e diretor emérito de pesquisas em Ciências
Sociais no Centro Nacional de Pesquisas Científicas, da França (CNRS). É
coautor, como Joel Kovel, do Manifesto Internacional Ecossocialista.